domingo, 13 de dezembro de 2009

Imperfeição

Quero viver uma, duas, três, várias histórias...
Quero viver muitas histórias sem pertencer a nenhuma.
Simplesmente, quero perder-me!


Não busco a perfeição.
[Cansei-me.]
Não procuro a justiça.
[Habituei-me à ideia de que ela não existe.]
Não ambiciono a paz para o mundo.
[Tenho a consciência de que se tornou uma verdadeira utopia.]


Não quero a perfeição, nem a justiça, nem a paz!
Não quero ser hipócrita como os hipócritas que me rodeiam.
Não! Não amo o mundo,
não acredito na justiça,
não acredito na perfeição,
nem procuro a paz!


Imperfeita?
Talvez.
Que importa, se não procuro a perfeição?


Quero viver muitas histórias.
Definitivamente, não quero pertencer a nenhuma.

Cassandra (13, Dezembro, 2009)



terça-feira, 8 de dezembro de 2009

Odi et amo

Amo
amas
amat
amamus
amatis
amant

Amo, amo, amo.
Odi et amo

Enim, quid amor est?

Cassandra (8 de Dezembro, 2009)

domingo, 6 de dezembro de 2009

[In]satisfação


Devo confessar que, por mais que procure, nunca me sinto satisfeita. Há sempre qualquer coisa que falta. Insatisfeita per natura? Talvez. Mas, que é do ser humano sem esta busca incessante? Simples animal que vagueia? Monstro insensível que vive somente de si e para si? Que é da loucura? Que é da vontade de ir mais além, de atravessar mares desconhecidos? Que é da capacidade de dar novos mundos ao mundo? Sem vontade própria, que é do homem?
Curiosamente,  "insatisfação"  é um termo paradoxal, se não vejamos: o vocábulo remete para uma ideia de não satisfação. Diz-se, por isso, que uma pessoa insatisfeita é "uma pessoa que não se sente bem relativamente a uma determinada situação ou realidade". Ora, o paradoxo reside precisamente na formação da palavra - in+satisfação - pois in é um prefixo latino que significa "em, estar em, etc...". Por esta ordem, parece-me óbvio que in+satisfação é sinónimo de "estar na satisafação, estar satisfeito.." Não obstante, usamo-la com o sentido contrário, dizendo-nos, então,pessoas insatisfeitas quando não nos sentimos bem com algo ou alguma coisa. O mesmo se poderia dizer de palavras como infelicidade, indignidade, incapacidade... É mais uma das incoerências da nossa Língua, a nossa bela Língua!..

Cassandra (7 de Dezembro de 2009; 11:13)

"Cântico Negro" [José Régio]

A cada dia que passa, nas situações mais inesperadas, deparo-me com poesia... poesia verdadeiramente poesia, poesia que me faz inquietar a alma, poesia que acende em mim a vontade de fazer poesia, de gritar ao mundo "viva a poesia"!
Poesia, poesia,poesia... Sempre a poesia!...

Há dias, não me lembro bem onde, ouvi este poema. Em jeito de convite à leitura, deixo-o aqui para que o possam apreciar.

Cântico Negro
 "Vem por aqui" - dizem-me alguns com os olhos doces
Estendendo-me os braços, e seguros
De que seria bom que eu os ouvisse
Quando me dizem: "vem por aqui!"
Eu olho-os com olhos lassos,
(Há, nos olhos meus, ironias e cansaços)
E cruzo os braços,
E nunca vou por ali...


A minha glória é esta:
Criar desumanidade!
Não acompanhar ninguém.
- Que eu vivo com o mesmo sem-vontade
Com que rasguei o ventre à minha mãe


Não, não vou por aí! Só vou por onde ´
Me levam meus próprios passos...
Se ao que busco saber nenhum de vós responde
Por que me repetis: "vem por aqui!"?
Prefiro escorregar nos becos lamacentos,
Redemoinhar aos ventos,
Como farrapos, arrastar os pés sangrentos,
A ir por aí...


Se vim ao mundo, foi
Só para desflorar florestas virgens,

E desenhar meus próprios pés na areia inexplorada!
O mais que faço não vale nada.
Como, pois sereis vós
Que me dareis impulsos, ferramentas e coragem
Para eu derrubar os meus obstáculos?...
Corre, nas vossas veias, sangue velho dos avós,
E vós amais o que é fácil!
Eu amo o Longe e a Miragem,
Amo os abismos, as torrentes, os desertos...


Ide! Tendes estradas,
Tendes jardins, tendes canteiros,
Tendes pátria, tendes tectos,
E tendes regras, e tratados, e filósofos, e sábios...
Eu tenho a minha Loucura !
Levanto-a, como um facho, a arder na noite escura,
E sinto espuma, e sangue, e cânticos nos lábios...
Deus e o Diabo é que guiam, mais ninguém.
Todos tiveram pai, todos tiveram mãe;
Mas eu, que nunca principio nem acabo,
Nasci do amor que há entre Deus e o Diabo.


Ah, que ninguém me dê piedosas intenções!
Ninguém me peça definições!
Ninguém me diga: "vem por aqui"!
A minha vida é um vendaval que se soltou.
É uma onda que se alevantou.
É um átomo a mais que se animou...
Não sei por onde vou,
Não sei para onde vou
- Sei que não vou por aí!


José Régio